"
"Tens um mano na tua barriga?" - entrou de rompante pelo meu quarto. A
mãe, internada no quarto ao lado, tentou demove-la. " Não incomodes a
senhora! Anda cá!". Mas ela continuava a olhar para mim, de pé, à beira
da minha cama de hospital. Olhos azuis, cabelo louro, 4 anos de gente.
"Também
tens um mano na barriga?"- insistia. Pego-a ao colo para se sentar aos
pés da cama, leve que nem uma pluma. "Cuidado com o meu cateter!". A
mãe, pálida e com ar gasto, grávida do mesmo tempo gestacional que eu, a
contar-me da leucemia da filha, dos tratamentos de quimioterapia, da
gravidez que pode ser uma esperança de vida, de mais vida ainda, o
verdadeiro milagre da vida, para a filha que já vive. Das possibilidades
de compatibilidade do novo bebé, que entretanto ganha pouco peso no
útero, fruto do sistema nervoso da mãe que, internada, não acompanha
pela primeira vez, em dois anos e meio, o ciclo de quimioterapia da
filha.
"Tens
um Bobi?"- fita-me, a pequena, de olhos pregados no suporte com rodas
que me eleva o soro. E a mãe sorri, gasta e cansada, velha no pico dos
seus 26 anos, a aguardar um milagre que são dois, agora. O bebé só tem
um rim mas não lhe importa. A doença da filha ensinou-a a racionalizar a
realidade. "Vive-se só com um rim, eu quero é que ele nasça bem, mesmo
que não seja compatível,. Quero- os aos dois, bem! Percebe-me, não é?"
Percebo tão bem.
E
a menina canta- me aos pés. Elevo-a no elevador da cama, fica alta no
cimo do colchão elevado. "Vou tocar no sol!"- e não parece doente,
enquanto escorrega pelas minhas pernas, se ri às gargalhadas e folheia
um livro que me ofereceu uma leitora deste blog.
A
mãe a insistir que me deixe sossegada, sorriso exausto. Está
desempregada, " ninguém dá trabalho a uma mulher que tem que faltar uma
semana por mês para acompanhar a filha na quimioterapia". E, agora,
internada. O marido teve que meter baixa para a substituir- "o dinheiro
da baixa não vem logo no mês em que gozamos a baixa, este mês nao sei
como irá ser". A filha, tagarela, dá gargalhadas e, por um momento, o
sorriso abre-se, alheio aos problemas. Acaricia a barriga, como que a
regar o crescimento do bebé que aí vem.
Falamos
dos bebés que esperamos. Chega mámen para a visita, senta a menina ao
colo, faz-lhe desenhos a pedido. A mãe elogia o jeito dele para
desenhar. Mostro- lhe a fotografia da parede do quarto da Ana, pintada
por ele. A menina pergunta se ele lhe pode desenhar uma Kitty na parede.
Sorrimos os dois, cúmplices. Hoje toleramos a Kitty. Sim, irá pintá-lá,
logo que a mãe regresse a casa. A menina salta de alegria.
Chega o jantar, a mãe e a menina recolhem ao seu quarto, não sem antes a pequena insistir: "Tens um mano na barriga?".
Lembro-
me das discussões que temos tido acerca da preservação de células
estaminais. Banco Público ou empresa privada? Se colocarmos no Banco
Publico e aparecer alguém que precise, a nossa filha fica sem as suas
células disponíveis. No Privado as células serão sempre guardadas para
ela.
E
a menina ali ao lado, a precisar de um transplante de medula. Não pode
haver egoísmo na humanidade. Nem umbiguismo. Se a nossa filha fosse
compatível, não hesitaríamos um segundo, sabemo-lo com o olhar, as
palavras não são precisas.
E, finalmente, respondo "Sim, tenho uma (m)Ana na barriga!". Porque todos os bebés deveriam ser irmãos da menina.
A minha sê-lo-á."
Mais informações de como ajudar em:
http://quadripolaridades2.blogspot.pt/2012/07/tens-um-mano-na-barriga.html
Toca a ler e a divulgar. Não custa nada e pode ajudar muito.
Da minha parte, infelizmente ainda não posso ser dadora... tenho mais 5 meses de exames médicos até poder ser liberalizada do fantasma quimioterapia.... :(
Eu já estou inscrita.
ResponderEliminarSe eu for compatível chamam-me e lá irei eu!